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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

LENDA ASSÍRIA - AS AVENTURAS DE ISTAR


Nicéas Romeo Zanchett 
                 A lenda assíria de Istar é uma das mais antigas no mundo, porque sem dúvida remonta a uma época muito anterior à da epopeia que a contém e de onde é feita a tradução seguinte. Este grande poema, atualmente existente apenas em estado fragmentado, mas que não é improvável que futuras descobertas venham a tornar possível restabelecer, parece ter envolvido numerosas lendas das divindades, de modo análogo às metamorfoses de Ovídio, que foram compostas de materiais pré-existentes, de per si suficientemente vulneráveis para ter obtido um caráter sagrado. O canto relativo às aventuras de Istar é por enquanto o mais completo. Descreve a descida de Istar ao mundo subterrâneo em busca do seu falecido esposo, Du-zi, o Tammuz e que as mulheres da Síria são representadas  pela Escritura como lamentando, e o Adônis da mitologia grega. O mito significa a retirada do sol para a escuridão e frio do inverno, aquele de todos os fatos naturais que mais devia ter impressionado as raças humanas que não gozavam um perpétuo verão. Encontra-se, sob uma forma ou outra, em toda a religião acima das mais rudes; o que é característico do poeta babilônico é a poderosa imaginação com que ele pinta Istar despida sucessivamente de todos os seus artigos de vestuário até nada lhe restar a não ser o pó da morte; enquanto as consequências para os homens da saída de entre eles da Deusa do Amor e do Prazer, mostra que já neste período remoto se relacionava sobre causas e seus efeitos. 
Nicéas Romeo Zanchett

AS AVENTURAS DE ISTAR 
1 - Vou para o país das sombras, de onde ninguém regressa. 
2 - Estendo as mãos como uma ave as asas. 
3 - desço à casa das trevas, à morada do deus Irkalla; 
4 - à casa de onde se não sai,
5 - à estrada de onde se não volta; 
6 - à casa de cuja entrada tiraram a luz, 
7 - ao sítio onde o alimento é pó e comida lama.
8 - Seus chefes são também como aves cobertas de penas; 
9 - nunca se vê luz, moram na escuridão. 
10 - Na casa, ó meu amigo, onde entrarei
11 - está guardada para mim uma coroa; 
12 - com aqueles coroados que desde dias remotos semearam na terra, 
13 - a quem os deuses Anu e Bel deram o poder da dominar.
14 - deram-lhe água para matar a sede, bebem águas límpidas.
15 - Na casa, ó meu amigo, em que entrarei
16 - moram o senhor e o livre, 
17 - moram o sacerdote e o grande, 
18 - moram os vermes do abismo dos grandes deuses; 
19 - mora li Etana, mora ali o deus Ner; 
20 - moa ali a rainha das regiões inferiores, Allat,
21 - a senhora dos campos, a mãe da rainha das regiões inferiores, submete-se a ela, 
22 - e não há quem contra ela se erga na sua presença. 
23 - Acercar-me-ei dela e ver-me-á 
24 - ... e levar-me-á a ela.
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                  Aqui interrompe-se outra vez a história como atualmente a temos, faltando as colunas V e VI.  Parece que Hea-Bani está aqui contando ao seu amigo como há de morrer e baixar à casa das sombras. O Sr. Smith pensava, porém, que na terceira coluna está alguém falando a Istar, querendo persuadi-la de não descer às regiões inferiores, enquanto na quarta coluna a deusa, que está sentindo todas as dores do ciúme e do ódio, se compraz nos negros detalhes da descrição dessas regiões e declara o seu propósito de descer a elas. 
A DESCIDA DE ISTAR AO PAÍS DAS SOMBRAS
1 - Ao país das sombras, de onde ninguém volta, à terra das trevas, 
2 - Istar, filha de Sin (a lua) deu ouvidos; 
3 - deu também ouvidos a filha de Sin 
4 - à mansão das trevas, morada do deus Irkalla, 
5 - à casa de onde se não sai, 
6 - à estrada de onde se não volta, 
7 - à casa de cuja entrada tiraram a luz, 
8 - ao sítio onde se alimentam de pó e comem lama, 
9 - nunca se vê a luz, moram nas trevas.
10 - Seus chefes, também, são como aves cobertas de penas, 
11 - sobre a porta e fechos está pó espalhado.  
12 - Istar ao chegar à porta do país dos sonhos, 
13 - ao guarda da porta dá uma ordem:
14 - Guarda das águas, abre a tua porta, 
15 - abre a porta para que eu entre. 
16 - Se não abres a porta para que eu entre, 
17 - baterei na porta, partirei os fechos, 
18 - baterei no limiar, e passarei pelas portas; 
19 - erguerei os mortos para que devorem os vivos, 
20 - o número dos vivos será excedido pelo dos mortos.
21 - O guarda abre a boca e fala, 
22 - diz à princesa Istar: 
23 - Para, senhora, não a glorificas, 
24 - deixa que vá repetir teu nome à rainha Allat. 
25 - O guarda desceu e diz a Allat: 
26 - Esta água (da vida) vem buscá-la tua irmã Istar
27 - a rainha das grandes abóbadas do céu... 
28 - Allat, ouvindo isto, diz: 
29 - Como a sega da erva desceu (Istar) ao país das sombras, 
30 - como a boca de um inseto fatal, ela...
31 - Que importa o seu coração, que me importa a sua cólera? 
32 - Istar responde: Esta água, com meu esposo, 
33 - como comida comeria, como cerveja beberia. 
34 - Daixa que chore os fortes que perderam as esposas. 
35 - Deixa que chore as que perderam os abraços dos esposos. 
Deixa que eu chore o filho único morre antes que cheguem os seus dias.
37 - Allat diz: Vai, guarda, e abre-lhe a porta, 
38 - enfeitiça-a também segundo as regras antigas. 
39 - Foi o guarda a abriu a porta:
40 Entra, senhora, que a cidade de Cutha te receba;   
41 que o palácio do país das sombras se regozije com a tua presença. 
42 - Fê-la entrar a primeira porta, e tocou-lhe, e atirou a terra a grande coroa que levava na cabeça.
43 - Por que, ó guarda,  deitaste à terra a grande coroa da minha cabeça? 
44 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
45 - Fê-la entrar a segunda porta, e tocou-lhe, e deitou fora os brincos das suas orelhas. 
46 - Por que, ó guarda, deitaste fora os brincos das minhas orelhas? 
47 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
48 - Fê-la entrar a terceira porta, e tocou-lhe, e deitou fora o colar de pedras do seu pescoço. 
49 - Por que, ó guarda, deitaste fora o colar de pedras do meu pescoço?
50 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
51 - Fê-la entrar a quarta porta, e tocou-lhe, e deitou fora os ornamentos do seu peito. 
52 - Por que, ó guarda, deitaste fora os ornamentos do meu peito? 
53 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
54 - Fê-la entrar a quinta porta, e tocou-lhe, e deitou fora o cinto de joias da sua cintura. 
55 - Por que ó guarda, deitaste fora o cinto de joias da minha cintura? 
56 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
57 - Fê-la entrar a sexta porta, e tocou-lhe, e deitou fora as pulseiras da suas mãos e dos seus pés.
58 - Por que, ó guarda, deitaste fora as pulseiras das minhas mãos e dos meus pés? 
59 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 

60 - Fê-la entrar a sétima porta, e tocou-lhe, e deitou fora o vestido do seu corpo. 
61 - Por que, ó guarda, deitaste fora o vestido do meu corpo? 
62 - Entra, senhora, é a ordem de Allat. 
63 - Quando Istar já havia descido muito ao pais das sombras 
64 - Allat viu-a e mostrou-se altiva; 
65 - Istar não ponderou e rogou-lhe pragas, 
66 - Allat abriu a boca e falou: 
67 - A Namtar ( o demônio da peste), seu mensageiro, deu uma ordem: 
68 - vai, Namtar, leva daqui Istar, 
69 - Leva-a para......, sim, a Istar, 
70 - dá-lhe doença nos olhos, 
71 - dá-lhe doenças nas costelas, 
 72 - dá-lhe doença nos pés, 
73 - dá-lhe doneça no coração, 
74 - dá-lhe doença na cabeça, 
75 - dá-lhe doença em toda ela. 
76 - Depois de a senhora Istar ter descido à região das sombras, 
77 - o touro não queria unir-se à vaca, nem o burro à burra, 
78 - a escrava na rua não deixava que lhe tocassem, 
79 - deixou o livre de mandar, 
80 - deixou a escrava de das a sua oferta. 

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COLUNA II 
Istar desce às regiões inferiores e cumpre sua ameaça, mas não retorna.
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1 - Papsukul, mensageiro dos grandes deuses, inclinou a sua face ante Sama; 
2 - ... (perdeu-se no tempo) 
3 - Samas (deus do Sol) partiu e achou-se na presença de seu pai, o deus da lua, 
4 - Foi em lágrimas à presença do rei Hea;
5 - Istar desceu às regiões inferiores e não regressou; 
6 - há muito tempo que Istar desceu ao país das sombras, 
6 - o touro não quer unir-se à vaca, nem o burro à burra; 
7 -a escrava na rua não deixa que lhe toquem; 
9 - o livre deixou de mandar, 
10 - a escrava deixou de dar a sua oferta. 
11 - Hea na sabedoria do seu coração formou um propósito, 
12 - e falou a Atsu-Sunamir, a esfinge: 
13 - Vai, Atsu-Sunamir, volta o teu rosto para as portas do país das sombras; 
14 - que as sete portas do país das sombras se abram à tua presença; 
15 - que te veja Allat e com a tua presença regozige; 
16 - quando descansar o teu coração e se acalmar o teu fígado; 
17 - suplica-a em nome dos grandes deuses. 
18 - Levanta a tua cabeça, presta teu ouvido ao tumultuar o rio; 
19 - que a senhora Istar domine o rio tumultuoso, e beba as águas no meio dele. 
20 - Allat, ouvindo isto,
21 - bateu no peito, mordeu o polegar, 
22 - tornou a voltar-se, não perguntou coisa alguma. 
23 - Vai, Atsu-Sunamir, que eu te prenda no grande cárcere, 
24 - que o lixo dos alicerces da cidade seja a tua comida,
25 - que os esgotos da cidade sejam a tua bebida, 
26 - que a escuridão do cárcere  seja tua morada, 
27 - que uma estaca seja o teu assento, 
28 - que a fome e a sede caiam sobre teus filhos. 
29 - Alat abriu a boca e falou 
30 - a Namtar, o seu mensageiro, dá uma ordem:
31 - Vai, Namtar, bate no palácio firme, 
32 - adorna com pedras da aurora as escadas de pedra (da deusa Asherah),
33 - manda surgir os espíritos da terra, senta-os num trono de ouro, 
34 - dá a Istar as águas da vida e conduza-a ante mim.
35 - Namtar partiu, bateu no palácio firme, 
36 - ordenou com pedras da aurora as estacas de pedra,
37 - fez surgir os espíritos da terra e sentou-os num trono de ouro, 
38 - deu a Istar as águas da vida e levou-a.
39 - Fê-la passar a primeira porta e restituiu-lhe o vestido do seu corpo. 
40 - Fê-la passar a segunda porta e restituiu-lhe as pulseiras das suas mãos e pés. 
41 - Fê-la passar a terceira porta e restituiu-lhe o cinto de joias da sua cintura. 
42 - Fê-la passar a quarta porta e restituiu-lhe os ornamentos do seu peito. 
43 - Fê-la passar a quinta porta e restitui-lhe o colar de pedras do seu pescoço. 
44 - Fê-la passar a sexta porta e restituiu-lhe os brincos das suas orelhas. 
45 - Fê-la passar a sétima porta e restituiu-lhe a grande coroa da sua cabeça. 
46 - Visto que (a Allat) não pagaste (diz ele) o teu resgate, regressa a ela. 
47 -  por Tammuz, esposo da tua juventude;
48 - deita sobre ela as águas brilhantes, as gotas de água,
49 - veste-o ricamente a adorna-o com um anel de cristal. 
50 - Que Samkhat acalme o pesar (de Istar)
51 - e Kharimat lhe de consolação.  
52 - Tampouco destruiu ela as pedras preciosas dos olhos, 
53 - uniu a ferida do seu irmão (Tammuz), bateu no peito, ela, Kharimat, lhe deu consolação;
54 - ela não pediu as pedras preciosas dos olhos, 
55 - (dizendo): Ó meu único irmão, não me lamentes. 
56 - No dia em que Tammuz me adornou, com um anel de cristal, com um bracelete de esmeraldas, adornou-me juntamente com ele. 
57- consigo mesmo me adornou; que os pranteadores e pranteadoras
58 - o coloquem num esquife e reúnam quem o há de velar.
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Este texto notável mostra Istar cumprindo a sua ameaça e descendo ao país das sombras, mas não parece que ela já tivesse se vingado de Izdúbar).
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OBSERVAÇÃO FINAL 
Já escrevi um resumo descritivo sobre a Divina Comédia de Dante Alighieri e concluo que o sábio de Florença também conheceu esta Lenda de Istar, porque vejo muitas semelhanças que, na minha humilde opinião, pode lhe ter servido de inspiração. Evidentemente que as duas lendas influenciaram seus autores de acordo com a vida da época em que cada um escreveu. Na Divina Comédia de Dante fica bem evidenciado a influência do poder da Igreja quando ele fala da descida ao inferno passando antes pelo purgatório e finalmente chegando ao paraíso (Céu); e em cada local são encontradas as pessoas, já falecidas, de acordo com os pecados cometidos em vida.
Convido-os a refletir sobre essa hipótese.
Nicéas Romeo Zanchett
LEIA TAMBÉM >>AS CARTAS DE BALZAC  - Conta a vida do célebre escritor da Comédia Humana, que muitos dizem ter sido inspirada na Comédia de Dante Alighieri. Também poderá ler um grande número de cartas que deram ao escritor a oportunidade de conhecer o ser humano para escrever seus mais de 80 volumes.

domingo, 24 de agosto de 2014

SALMO - Por David - Rei de Israel

Nicéas Romeo Zanchett 


UM POUCO DA HISTÓRIA DE ISRAEL 
David, o segundo Rei de Israel, sucessor de Saul, nasceu em Bethlem no século  X antes de Cristo. 
Guardava os rebanhos de seu pai, segundo a Bíblia, quando o profeta Samuel o ungiu prometendo-lhe a sucessão de Saul.  Vencedor dos Filisteus, tornou-se um grande chefe guerreiro e excitou os zelos e à perseguição de Saul.  Depois da morte deste, David veio a ser proclamado Rei das tribos de Israel. Fez da cidade de Sião a capital com o nome de Jerusalém. 
Foi, indiscutivelmente, um homem muito inteligente e sábio. Poeta e profeta, deixou-nos o seus Salmos de uma grande inspiração lírica. 
Especialmente neste Salmo, podemos ver nitidamente o amor, a inveja, a intriga e o ódio que um povo, já naquela época, dedicava a seu lider. Concluo que o amor de um povo pelo seu lider (político), dura o tempo de sua glória.
Nicéas Romeo Zanchett 
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SALMO 
Por David - o Profeta - 
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Salva-me, Senhor! pereço; 
Já vem as águas subindo;  
Já me enchem a boca, o peito, 
Quase me vou submergindo. 
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As ondas encapeladas 
Arrojam-me com violência ;
Pregam-me imóvel e fraco
Num lodo sem consistência.
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Vai crescendo a tempestade, 
E dá comigo de um salto
No pélago profundo, 
Nos abismos do mar alto. 
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Trabalho, grito; mas canso; 
Minhas faces enrouquecem; 
Meus olhos no Céu pregados
Perdem a luz, desfalecem. 
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Mais bastos que os meus cabelos
Os meus inimigos são; 
São gratuitos seus furores, 
Gratuíta sua aversão. 
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Cresce a turba dos perversos, 
Furiosos me acometem; 
Será, pois, justo que eu pague
Os crimes que eles cometem? 
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Conheces minhas fraquezas 
Meu Deus! e as dos mais viventes 
Se acaso tenho delitos
A teus olhos são patentes. 
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Mas, Senhor! em mim não cuido
Por causa do meu tormento; 
Temo só que outros que esperam
Os assalte o desalento. 
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Que dirão se me abandonas? 
Deus de Israel! não consintas
Que os que te buscam vacilem, 
Temam que em mim te desmintas; 
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Que aflitos, envergonhados, 
Olhem para mim com susto; 
Duvidem se o meu ditame
Era reto, ou se era injusto. 
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Quanto sofre, quantas mágoas
O meu coração laceram!
Por ti somente as padeço,
 Só de amar a lei, nasceram. 
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Por ti suportei opróbios, 
Confusão cobriu meu rosto; 
Fez-me da pátria estrangeiro
O ódio que me era oposto. 
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Com desdém os meus me olharam; 
E sem dó do meu destino, 
Me deixaram ir passando
Como passa um peregrino. 
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Ah! Senhor! por que motivo?...
Porque o teu templo adorava; 
E um ardente amor e zelo
Dá vontade me abrazava; 
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Pronto a combater injúrias, 
Que a ti, meu Deus, se fizeram; 
Dos maus a vingança, os ódios
Desta origem procederam.
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Eis aqui o meu delito;
 Eis aqui o que me resta;
Cobrir-me de cinza e luto, 
E de pranto a face mesta.
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Mas esta mesma tristeza,   
Esta acerba penitência, 
Provocou novos insultos, 
Foi ludibrio da insolência.
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Ora depravado Escriba, 
Que juízes perversos, 
Me insultam a inocência 
Em sentenças, prosa ou versos. 
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Eu surdo a seus vitupérios 
A ti meus votos envio; 
É tempo de me escutares; 
Em ti, meu Deus, me confio. 
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 Acrescenta a teus prodígios 
Mais um; escuta-me agora:
Salva-me, cumpre a promessa
Que fizeste a quem te implora. 
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Queres, Senhor, por ventura 
Que me trague a tempestade? 
Que luto e pranto me abismem
Esforços de iniquidade? 
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Não, meu Deus! tu me libertas
Das mãos dos perseguidores; 
Das águas em que naufrago
De um fosso cheio de horrores. 
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Não me deixes submergido
Nestes mares de amargura; 
Não me apagues a esperança, 
Não feches prisão tão dura. 
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Dá-me, pois, algum conforto,
 Qual tua bondade imensa
Distribui  aos afligidos, 
E as mágoas lhes recompensa. 
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Olha para mim; não volte
O rosto para não ver-me; 
Vê quanto sofro e padeço; 
Isso basta a socorrer-me.
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Chega-te a mim; à minha álma
Dá saúde, mesmo à vista 
Dos inimigos; e vejam
Que a ti não há quem resista. 
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Bem vês como procuram
Cobrir-me de pejo a face; 
Que não há dor, ignomínia
que eu não experimentasse. 
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Porém na tua presença
Então sem véu as verdades; 
Qual sou conheces, e sabes
De quem me insulta as maldades. 
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Não pasmo do que me fazem; 
Seu ódio sei, seus furores;
Impropérios esperava,  
Crueldades e rigores. 
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No meu desamparo extrêmo 
Não achei quem me acudisse; 
Quem me desse a mão caindo. 
Ou que de mim não fugisse. 
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Para apagar minha sede
Vinagre e fel me ofertaram: 
Será, pois, a mesa destes 
Como a que me prepararam? 
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De espessas trévas cercados, 
Tropeçarão nos seus laços; 
E os grilhões que me puseram
Hão de carregar seus braços. 
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Em tão mísera cegueira, 
Privados da luz divina, 
Irão curvados ao jugo
Do pecado que os domina. 
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Veja a cólera celeste
Já sobre eles derramar-se; 
O teu furor, Deus irado, 
Vir nos máus desafogar-se. 
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Serão seus lares desertos; 
Seus palácios abatidos; 
Seus opulentos domínios
Ficarão desconhecidos. 
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Desgarrado o peregrino
Não atinará com a estrada; 
De tanta glória e soberba
Restará silêncio, ou nada.
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Feridas a quem feriste
Sem piedade acrescentaram; 
Por isso os bárbaros paguem
As dores que me aumentaram, 
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Às suas iniquidades
Irão mais erros juntando;
E os castigos que merecem 
Com mais erros provocando.
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E como a conta fecharam 
No livro fatal da vida, 
Da misericórdia divina
Fica-lhe a sua excluída. 
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Seus nomes serão riscados; 
E dos justos no congresso, 
Pois que auxílios rejeitaram, 
Ser-lhes-á vedado o ingesso, 
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Eu, meu Deus, desconsolado, 
Aflito, em penas nutrido, 
A ti recorro, bem certo
Que hás de escutar meu gemido.
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Salva-me, Senhor, se queres; 
Suavisa meus tormentos; 
Hei de encodoar de novo
Harmônicos instrumentos. 
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A cítara abandonada, 
Do pó, da mudez tirando, 
Irei com métricas vozes 
O meu Deus magnificando. 
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Mais te agradará meu canto, 
Cheio de estro e de ternura, 
Que outro qualquer sacrifício, 
Ou vítima tenra e pura. 
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Companheiros de infortúnio, 
Afligidos, confortai-vos! 
Os prodígios que Deus obra
Cantai comigo, alegrai-vos.
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Deus não desampara ingrato
Quem fiel sempre procura; 
Ove o pobre; e não consente 
Que pareça em prisão dura. 
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Louve o céu, a terra, os mares, 
E tudo o que o globo encerra, 
O Deus que aos tristes acode, 
Que domina o céus e a terra. 
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O Deus que terá cuidado
De Sião e de seus muros; 
Que a Judá novas cidades
Dará, e asilos seguros.
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Habitarão lá ditosos, 
Verificada a esperança, 
Esses a quem Deus entrega 
Sua restaurada herança. 
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Esta, prosperando fausta, 
De filho a filho passando, 
De Deus o nome supremo
Irá sempre recordando. 
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Os que em santo amor se abrasam, 
Entoando seus louvores, 
Serão, com perpétyua glória, 
De seu templo habitadores. 
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Prestem especial atenção ao verso: "O Deus que terá cuidado 
                                                             De Sião e de seus muros; 
                                                             Que a Judá novas cidades
                                                             Dará, e asilos sguros."
                                                                                  ---
 A paz é possível, mas os interesses dos poderosos não a permitem e nem querem.
Pesquisa e adaptação: Nicéas Romeo Zanchett 
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